Boa tarde,
Voltamos nesse dia da Proclamação da República – 15 de novembro – para falarmos de um tema apropriado: os 50 anos do Tropicalismo. O movimento – Tropicalismo – foi uma forma de comportamento... Aff!!! Parece um antropólogo falando!!!
DIVINO, MARAVILHOSO!!! Beeem melhor, assim, Babe!!!
Vamos falar sobre a tropicália, ou aquilo que gosto de denominar como “contracultura brasileira”. Sim. A contracultura brasileira. Ou falaremos dos nossos mitos, já que tão em voga na boca de matilde... Estes sim, são mitos!!!!
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Jorge Ben, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Gal Costa, Sérgio Dias Baptista e Arnaldo Baptista... Parte dos Tropicalistas, mas com o seu núcleo central: Gil, Caetano e Os Mutantes |
Nossa história começa com o disco-manifesto: “Tropicália, ou Panis et Circenses”, lançado mais precisamente em julho de 1968.
Como vocês sabem, o
Brasil vivia sob uma ditadura cívico-militar, desde 1964 e, como toda ditadura,
havia censura no país, que só permitia vir a público aquilo que agradasse os
ditadores de plantão.
Ao mesmo tempo, o Brasil,
à época, vivia uma grande efervescência cultural e nas artes em geral,
fortemente influenciada por todos os ventos que vinham do exterior e acabavam
soprando por aqui. Um desses “ventos” foi, sem dúvida nenhuma, a contracultura.
Arrisco a dizer que o
mundo realmente não seria o que é hoje não fossem a revolução cultural e
comportamental dos anos 1960: seríamos exatamente os filhos do pós-guerra
norte-americanos e ingleses (anos 1950), com todo o seu conservadorismo e
reacionarismo.
Não que essas coisas
estejam fora de moda: muito ao contrário. Basta vermos o resultado das eleições
em nosso país este ano e as diversas manifestações que ocorreram por aqui nos
últimos 4 ou 5 anos.
Caetano, Gal e Maria Betânia... |
Enfim, os anos 1960 foram os que nos legaram muito, mas muito mais liberdade de expressão, sexual, comportamental, etc.
Parte deste legado
devemos à contracultura, que pôs em xeque toda a construção (ocidental) de
valores do pós-guerra dos anos 1950: a competitividade, o consumismo, os
“valores tradicionais da família”, do trabalho, a submissão das mulheres
perante os homens, os direitos civis dos negros, dos homossexuais, o modo
“ocidental” de vida, isto é, o “New Deal”, ou o modo de vida norte-americano.
Tudo isso teve reflexo
muito sentido em nós, do terceiro mundo. Principalmente nos países que viviam
sob ditadura orientada, instaurada e alimentada pelos EUA. Sedimentamos, ali, o
modo de vida norte-americano para os nossos destinos. Coloquem tudo isso dentro
de caldeirão de uma situação internacional de guerra fria entre URSS e EUA e
temos aí o contexto.
Tom Zé, um dos idealistas do movimento... |
Então, este era o mundo
nos anos 1960. Enquanto a roda de Aquário girava, o Brasil “girava para trás”.
É dentro desse caldo que
surge o Tropicalismo, movimento de ruptura com esse contexto. É claro que ele
tinha objetivos. É claro que era um movimento político – mas não
político-partidário.
Irreverente, contestador,
inovador, libertário, chique... absorveu a essência da contracultura,
misturando-a com elementos estritamente nacionais: samba, bossa nova, rock,
rumba, baião, bolero e uma nova atitude (política, por que não?) perante a
ditadura vigente no país: cabelos cumpridos e roupas extravagantes, à
semelhança da contracultura.
Caetano e Gil. |
Sem dar um tiro, sem dar um tapa (e, aí fugindo da esquerda tradicional à época, que pegou em armas para lutar contra a ditadura), escrachou os ditadores de plantão e pôs em xeque, também, o nosso “modo de vida” à brasileira: a moral, os bons costumes, a questão do corpo, do sexo, comportamento, visual, vestuário... refletindo-os através da poesia “semi-non-sense” (sim, havia um quê de “non sense” à lá Lennon, mas eram pura sátira ao regime militar e o que se lhe aliava) e, principalmente, através da música.
Cartaz-lema, que deu origem à marginália, ou cultura marginal de Hélio Oiticica. |
Esta obra é marcante no movimento chamado de marginália, ou cultura marginal, que passou a fazer parte do debate cultural brasileiro, a partir do
final de 1968, durando até meados da década de setenta. O artista foi acusado
de fazer apologia ao crime.
A marginalidade é considerada uma forma de
transgressão dos valores conservadores e burgueses, identificados com o regime
militar, aliado à idealização do mundo do crime, como mundo produzido pelas
contradições da sociedade.
Ser marginal é viver à margem da sociedade, não se aliando com ela, vivendo no sistema e não para o sistema, o que não significa que o ser seja bandido. Somente ganhou essa conotação por conta do movimento e, claro, pela ditadura ter estampado essa expressão a todos aqueles que ela considerava como bandidos: desempregados (não podia andar na rua sem carteira de trabalho assinada), gente com tatuagem, maconheiros, roqueiros, punks, etc., e, inclusive, os tropicalistas. Para o regime, todos eram marginais, assim como muita gente comum do povo achava e ainda acha até hoje.
Filme de Glauber Rocha que também influenciou grande parte da esquerda na época e os tropicalistas. |
O movimento tropicalista, então, contrariou a tudo e a todos – dos tradicionalistas da bossa nova aos “roqueiros” da jovem guarda -, rompendo com todos, e, ao mesmo tempo, incorporando seus elementos mais essenciais: a brasilidade, porque, aberto, incorporador e inovador.
Os anos 1967 e 1968 foram
os precursores do movimento, que começou com o 3º Festival de Música Popular da
antiga TV Record, em 1967, com o encontro de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Os
Mutantes. Foi dali que se teve a ideia de fundir estilos e estabelecer uma nova
estética e comportamentos que redundaram no movimento.
Torquato Neto, um dos idealizadores do Tropicalismo. |
De um lado havia a MPB mais tradicionalista, surgida principalmente através do pós-bossa nova, engajada, que, por força do contexto mesmo, aliava-se mais à esquerda tradicional; do outro, a jovem guarda que, se não tinha definição ideológica clara, enquanto “movimento” (e, definir-se ideologicamente contava muito, à época), com certeza seus seguidores eram claramente influenciados pela ditadura e pelo contexto e modo de vida vigente. Basta lembrarmos do que já lhes disse neste blog, a respeito dos Beatles, e de como eles (e só eles – ninguém mais, a despeito de todo o contexto e a cena musical lá fora) influenciaram a juventude da época, por aqui, através do “iê, iê, iê”... e de como esse tal de “iê, iê, iê” ficou no imaginário do brasileiro até hoje (que, em verdade, é “yeah”, “yeah”, “yeah”).
É claro que eles, por lá,
tinham problemas com a contracultura e não deixariam os seus “satélites” serem
influenciados, isto é, o pensamento ter liberdade por aqui.
Para
a ditadura era importante a juventude continuar no seu “iê, iê, iê”, e não em “lay
down all thought, surrender to the void” (“abandone cada pensamento,
entregue-se ao vazio”) e “when ignorance and haste may mourn the dead” (“quando
a ignorância e a pressa podem velar os mortos”), ou “I’d love to turn you on” (“Eu
gostaria de te deixar chapado”).
Reparem a influência do psicodelismo no tropicalismo... Caetano e Os Mutantes... Lembra a capa de Piper at the gates of dawn, do Pink Floyd, não é mesmo? |
O reacionarismo brasileiro e sua “raison d’être” tem suas raízes bem lá trás, lá pelo descobrimento do país, com as capitanias hereditárias, pelos movimentos (burgueses) pela independência e abolição da escravatura (não estou criticando, somente constatando um fato histórico), bem como pela proclamação da República (também de cunho burguês, fortemente influenciado pela Revolução Francesa), com o movimento Integralista, dos anos 1920/30, mas sem sombra de dúvida, essas raízes se fortaleceram e cresceram durante os anos 1960, alimentadas pela cultura dominante dos EUA e “deram as caras”, com a revolução tecnológica dos anos 1990, através da “internet” e suas redes sociais, consubstanciadas pelos movimentos ultranacionalistas, xenófobos e de extrema direita da Europa, e mais recentemente, nos EUA.
Os Mutantes e sua música "Não vá se perder por aí", que era uma expressão da época, dita pelos pais e mais velhos aos jovens... Claro que se trata de uma sátira dos Mutantes.... |
O Tropicalismo não se aliava a ninguém; era um movimento de ruptura e irreverente por excelência, tal como a contracultura: sincrético, trouxe rompimento com dicotomias reinantes: pop versus folclore; alta cultura versus cultura de massa.
Usou e abusou (outra
expressão criada à época) da televisão, assim como o fazem hoje da “internet”,
levando a excentricidade às massas, com um quê divino e maravilhoso de
psicodelia, rock e guitarra elétrica (estes abominados pelos puristas da MPB
tradicional à esquerda e pelos reacionários do poder e de plantão de sempre).
Os Mutantes, já na fase pós-tropicália, ou a chamada fase progressiva da banda. |
O movimento acabou com a prisão e exílio de Gilberto Gil e Caetano Veloso, em dezembro de 1968, com a repressão fazendo o que dela se esperava: apagar o inapagável. A cultura nacional gravava para sempre a tropicália em suas raízes e expandia a descoberta para o mundo todo a brasilidade e seus trópicos.
DVD documentário lançado sobre o movimento, obrigatório para quem quer entender um pouco do que foi o Tropicalismo. Em baixo, assistam ao documentário! |
Como a censura e a
ditadura não censuraram o disco e as músicas? Bem, esta é uma questão
unicamente de letra e composição, que relatavam um quadro crítico e, ao mesmo
tempo complexo do cotidiano do país, totalmente fora de qualquer alcance da
sapiência e da esquizofrenia dos censores. Mais ou menos como alguns filhotes
da ditadura tentam, nos dias de hoje, “desmoralizar” exposições, manifestações
artísticas, obras literárias, etc., numa megalomaníaca escalada esquizofrênica
tosca, sem cultura, sem estudo, sem caráter contra o que eles chamam de
“petismo” ou coisa que o valha: iniciativas de patrulhamento ideológico
(nazista) nas escolas públicas (a chamada “escola sem partido”... mas com o
deles, claro!) é apenas um exemplo de como as coisas são cíclicas na história e
de como ela se repete, sempre como tragédia... e farsa.
Por isso eu sou...
SEMPRE, Tropicalismo.... SEMPRE!
Vou deixar aqui a letra de "Panis et Circenses", de Caetano Veloso:
Eu quis cantar
Minha canção iluminada de sol
Soltei os panos, sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões, nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mandei fazer
De puro aço, luminoso um punhal
Para matar o meu amor, e matei
Às cinco horas na Avenida Central
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mandei plantar
Folhas de sonho no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo sol
E as raízes procurar, procurar
Mas as pessoas na sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e em morrer
Você
Precisa saber da piscina
Da margarina
Da Carolina
Da gasolina
Você precisa saber de mim
Precisa saber da piscina
Da margarina
Da Carolina
Da gasolina
Você precisa saber de mim
Baby, baby
Eu sei que é assim
Eu sei que é assim
Baby, baby
Eu sei que é assim
Eu sei que é assim
Você
Precisa tomar um sorvete
Na lanchonete
Andar com a gente
Me ver de perto
Ouvir aquela canção do Roberto
Precisa tomar um sorvete
Na lanchonete
Andar com a gente
Me ver de perto
Ouvir aquela canção do Roberto
Baby baby
Há quanto tempo
Baby baby
Há quanto tempo
Há quanto tempo
Baby baby
Há quanto tempo
Você
Precisa aprender inglês
Precisa aprender o que eu sei
E o que eu não sei mais
E o que eu não sei mais
Precisa aprender inglês
Precisa aprender o que eu sei
E o que eu não sei mais
E o que eu não sei mais
Não sei
Comigo vai tudo azul
Contigo vai tudo em paz
Vivemos na melhor cidade
Da América do Sul
Da América do Sul
Da América do Sul
Comigo vai tudo azul
Contigo vai tudo em paz
Vivemos na melhor cidade
Da América do Sul
Da América do Sul
Da América do Sul
Você precisa
Você precisa
Você precisa
Não sei
Leia na minha camisa
Você precisa
Você precisa
Não sei
Leia na minha camisa
Baby baby
I love you
I love you
DIVINO, MARAVILHOSO!!!!
Até a próxima, para
falarmos dos 50 anos de lançamento do “álbum branco”, dos Beatles, lançado em
22 de novembro de 1968: o começo do fim.
Ah, essas pessoas da sala de jantar...
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