domingo, 15 de janeiro de 2017

50 ANOS DE SGT. PEPPERS - 1ª PARTE


 Boa tarde a todos,

Com enorme satisfação, voltamos neste ano de 2017, para a nossa primeira conversa, sobre os 50 anos de Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, para mim e para muitos, o maior disco de rock de todos os tempos. Há controvérsias – sérias, mesmo – mas somente existem para comprovar que, claro, como já foi dito: “toda unanimidade é burra”.

A capa mais icônica, famosa, copiada e parodiada da história do rock de todos os tempos estava quase pronta....

Escrever sobre Sgt. Peppers não é tarefa fácil. As emoções precisam ficar um pouco de lado e o nosso senso crítico, aflorar.

Estaremos, talvez, em duas ou três blogagens desta para podermos entender um pouco deste disco que revolucionou – SIM – a música pop, e grande parte do comportamento jovem.

Tentaremos contextualizá-lo à sua época, já que se trata de um álbum datado (e atemporal, para nós, adoradores), tarefa esta que ele mesmo realiza, de per si, quando se escuta. Digo-lhes isso, porque é impossível escutar Sgt. Peppers sem automaticamente levar sua mente ao emblemático ano de 1967.

Para tanto, precisamos voltar para trás no relógio cronológico da história, e dar uma olhadela nos motivos pelos quais a música – dos Beatles e de sua geração – mudou tanto, da primeira à segunda metade dos anos 1960. Daí, quando alguém fala ou escreve acerca dos anos 1960 deve precisar a QUE parte desta década se refere, no que toca ao rock, comportamento, etc.

Quando observávamos essas pessoas dizerem sobre os anos 1960 achávamos que a década referia-se a um todo, mas, com um pouco mais de estudo e compreensão chegamos à conclusão que o mundo era um, antes de 1966, e, evidentemente outro, após este ano.

Por exemplo, existe uma longa diferença entre “It’s only love”, de Help! (1965) e “I’m only sleeping”, de Revolver (1966). Nem parecem músicas de uma mesma banda... e, no exemplo, do mesmo autor (John). E, o intervalo entre ambas medra pouco mais de um ano, um ano e meio, no máximo...

Quando neófitos em Beatles – se é que um dia fui! – não percebíamos as drásticas mudanças, através das capas dos álbuns e da sonoridade. Quanto mais tentar entender o porquê disso tudo. Quando vamos amadurecendo no rock, vamos também contextualizando-o historicamente: o porquê do rock progressivo, por exemplo. Ouvir Led Zeppelin sem sequer entender de onde aquilo tudo vem é como comer um bolo de chocolate sem degustá-lo e sentir seus aromas e sabores... Isto não quer dizer que se deva “consumir” o rock com profundidade ou cheio de frescuras. Não. O rock foi concebido pela e para as massas, não para estabelecermos rituais para sua audição... Se bem que, do jeito como as pessoas, hoje, andam chatas, é bem capaz...

Mas também, precisamos saber por que, onde, como as grandes bandas de rock fizeram suas grandes músicas, seus grandes álbuns. Saber o que lhes moveu é estar contextualizado, bem preferível a estar “atualizado”, porque, penso, o rock, nos dias de hoje, “respira por aparelhos”... Se já não os desligaram.

Então, se você, que me lê, gosta desse estilo, desse tipo de música, é importante que você passe por todos esses elementos, quando puxar um LP de sua estante e colocar a agulha para sulcar. Como um livro que você lê e tenta penetrar em seu contexto. Com a música ocorre o mesmo.

Vejo hoje uma avalanche de relançamentos em vinil – falamos em LP? – no mercado, bem como as notícias que dão conta da reabertura de antigas fábricas, na Europa, nos EUA e, aqui perto de nós, na Argentina. Há também relançamentos de novos modelos de toca discos, como a japonesa Technics.

Isso tudo não significa contexto, ainda que haja um outro aí contido. É quase como estar “atualizado”, em mais uma tendência de modismo, sofisticação e descolamento, dessas que o sistema usa para nos pegar (pegadinha, mesmo).

Preços astronômicos e muita gente ganhando muito dinheiro com isso. Nada contra em “ganhar dinheiro”. Mas, será que não estamos sendo enganados com toda essa onda de “vintage”?

Em algumas blogagens lá trás chamei-lhes a atenção da questão da gravação analógica e digital dos discos; que essas gravações tem diferenças; que, uma banda que, no passado, gravou um disco em analógico é preferível ouvi-la em analógico; que uma banda que grava em digital, deve-se ouvi-la em digital... Resumindo, se um artista é da época do vinil, ouçamo-no em vinil; se faz parte do contexto digital, CD, ouçamos o seu CD. Reverter, descontextualizar um e outro é, no mínimo, desonestidade, beirando a charlatanismo, dadas as diferenças gritantes de um modelo para outro.
  
Sei que tem todo um apelo à nostalgia, quando os neófitos pegam um LP nas mãos (quando sabem pegá-lo). É chique, não é mesmo? Não quero dizer com isso que nós, os supostos mais velhos fazemos parte de uma casta celeste seleta “que viveu em determinada época” e que por isso somos privilegiados, à parte dos que não tiveram o prazer de colocar um disco na vitrola. O problema reside sempre, em se tratando de rock particularmente, em a medida de influência que determinadas coisas exercem sobre você; será que você realmente escutou ou escuta rock?

Falando em contexto, lembrei-me da série “Guerra nas Estrelas” e seu contexto. Escrevei, recentemente, numa dessas redes sociais, acerca de uma propaganda de uma prefeitura daqui do interior de São Paulo, que desvirtuou completamente o legado da saga, invertendo “as bolas”, para chamar a atenção sobre a epidemia de dengue no local.

Quer dizer, as pessoas assistem, vão ao cinema, consomem, compram... E não entendem? A velha história pura e simples do bem contra o mal? Fiz um gracejo com a expressão que tomou conta nestes tempos mais modernos... “Star Wars”. Disse que a criatura que elaborou a tal propaganda precisa assistir à Guerra nas Estrelas... e não “Star Wars”...

Trocar os sabres de luz e os personagens – Darth Vader, ainda que seja, talvez, o personagem mais emblemático da saga, ainda é a personificação do mal... Ainda que depois, convertido, fica sua imagem associada ao mal.


Recentemente estivemos no cinema, aqui no interior, e "achei-os" novamente... Lembro-me muito bem deles...

Só mesmo uma sociedade onde os valores estão completamente invertidos, ou desprovida de quaisquer valores - que não os monetários -, pode fazer tamanha lambança!

É por isso, então, que devemos entrar no contexto de Sgt, Peppers, e, sobretudo, o que é mais importante: ESCUTÁ-LO dentro de seu contexto, porque ainda vamos ver e ler muita abobrinha sobre ele e sobre os Beatles, no decorrer deste ano... Ainda mais neste ano, ano de seu cinqüentenário.

O que era o mundo, em 1966/1967? O que estava “em jogo” naquele período? Havia a guerra fria, a luta de grande parte do ocidente contra o bicho-papão comunismo... A sociedade patriarcal, os “valores” da família, da “religião”, do “trabalho”... A guerra do Vietnã... Não existiam computadores, celulares, “internet”, jogos “on line”, televisão de LED “smart”... Pouquíssimas pessoas no mundo, aliás, tinham uma TV em cores!... Vejam vocês... A Inglaterra era a atual campeã do mundo de futebol!!!!... Falando neles, a homossexualidade era proibida, por lá...

Falando em proibição, no Brasil, vivíamos uma ditadura militar, com perseguições, torturas e mortes sem fim, com censura nos meios de comunicação, de artistas, do pensamento, etc... O mundo era radicalmente diferente do nosso, de hoje. Ou será que, “apenas guardadas as devidas proporções”?...

Trazer, portanto, Sgt. Peppers para os dias de hoje não é tarefa fácil.

1966 – REVOLVER TUDO.

Os Beatles estavam amadurecendo a ideia, por eles mesmos, de que iriam dar um basta nas turnês. Após o lançamento de REVOLVER, em 5 de agosto daquele ano, já dissecado aqui no meu blog, essa ideia tomou forma e partiram, então, para  a sua última, que se iniciou em 11 de agosto, percorrendo algumas cidades dos EUA, que já estavam sob contrato, que deveriam cumprir.

No Candlestick Park, em São Francisco, em 29 de agosto, apresentaram-se, em turnê, pela última vez. Não foi a última apresentação ao vivo, como erroneamente muitos dizem: a última foi no telhado do prédio da Apple, em Londres, no dia 30 de janeiro de 1969.

Voltaram a Londres e, também, pela primeira vez, cada membro do grupo foi para um lado:

John foi participar do filme de Richard Lester (que dirigiu “A Hard Day’s Night” e “Help!”), How I Won the War. As primeiras filmagens foram feitas na antiga Alemanha Ocidental, e as demais na Espanha. Somente Neil Aspinall estava com ele. Foi nesta época, fora das filmagens, que ele começou a usar seus óculos redondos. E também foi na Espanha que começou a escrever Strawberry Fields Forever, a primeira a ser concebida para o novo álbum;

Ele até cortou o cabelo, estilo militar e o óculos já era um esboço do que viria...

Paul foi o único dos quatro que ficou em Londres. Como eu já escrevi aqui no blog, Paul começou a freqüentar o “underground” londrino e absorver-lhe a cultura – quero dizer, a CONTRACULTURA!. Isso foi a pedra fundamental da concepção e da elaboração de Sgt. Peppers, como veremos mais pra frente. Nesse ínterim escreveu a trilha sonora do filme The Family Way, a convite de George Martin;

Ringo preferiu viajar e estar com sua família, já que Maureen, sua esposa à época, estava grávida;

George vai à Índia, no dia 20 de setembro de 1966, com sua esposa, à época, Pattie Boyd, a fim de estudar cítara, ioga, filosofia e religião local.

Brian Epstein, a seu turno, depois que foi comunicado pelos quatro de que não mais fariam turnês, ficou meio sem ter o que fazer e dizer, e foi cuidar de sua peça teatral, no Saville Theatre.

Eram suas primeiras férias, e o público e os fãs não estavam acostumados com isso. Daí os boatos, naquele tempo, da separação do grupo. Vez ou outra Brian ia à imprensa desmenti-los. Nem estavam acostumados a ficarem sem novos lançamentos dos Beatles. Pela primeira vez, desde 1963, não havia um novo produto dos Beatles para o fim de ano. Nasce a primeira coletânea oficial da banda: A Collection of Beatles Oldies... But Goldies, lançado em 9 de dezembro de 1966.



A primeira coletânea oficial... Este exemplar é o primeiro estéreo, nacional, de 1972!
 Trata-se de uma coletânea onde figuram algumas gravações apresentadas pela primeira vez em estéreo (editadas, pois, como já lhes disse os Beatles, até o Álbum Branco, gravavam tudo em mono), e “Bad Boy”, tida como inédita em disco, tendo sido apenas lançada no LP norte-americano Beatles VI, em 1965.




Meu exemplar mono, de época, nacional, de 1967.

Outro fato, não menos importante para, principalmente, o futuro da banda, aconteceu no dia 9 de novembro, quando John, ao visitar a Indica Art Gallery, em Londres, conhece a artista plástica Yoko Ono, de péssimas lembranças para todos nós, amantes dos Beatles...

Data dessa época, também, a mudança de visual da banda: todos de bigode, John de óculos, George de barba... Se alguém ainda tinha esperanças (Brian e muitos fãs adolescentes) de que os Beatles voltariam a ser os mesmos, fazendo o relógio voltar para trás e cantar iê, iê, iê...


Aliás, George e principalmente John já usavam LSD regularmente... Ringo e bem depois Paul passou a usá-lo. Outro aspecto fundamental de Sgt. Peppers.

24 de novembro de 1966 – A PRIMEIRA SESSÃO DE GRAVAÇÃO DE SGT. PEPPERS.

Nesta noite a banda reúne-se, nos estúdios Abbey Road, para aquela que foi a primeira sessão de gravação de Peppers: na pauta, a música que John começou lá na Espanha: Strawberry Fields Forever. Novos instrumentos, novo visual, novas roupas psicodélicas, novas letras, efeitos, sonoridades, técnicas de gravação... Os Beatles e o mundo já não eram mais os mesmos.

John, na porta de Abbey Road, dá entrevista, explicando o "novo" estilo e disco do grupo, em 20/12/1967

Enquanto isso, desde a segunda metade de 1966, as noites do “underground” londrino fervilhava, com a luz psicodélica de seu grande e principal expoente: Pink Floyd, juntamente com a mais “nova” novidade do pedaço: The Jimmy Hendrix Experience, com seus costumeiros notívagos The Move e Soft Machine. Do outro lado da rua, no mesmo endereço, com seu blues psicodélico, o maior “power trio” da história: Cream; e os velhos rapazes de Bush, quebrando tudo: The Who... Ah, a Inglaterra... Londres... Até Janis Joplin rendeu-se à magia daquele ambiente, quando lá chegou pela primeira vez em 1968... Como eu não iria render-me, quando lá estive, em 2014?...


Estação de Marylebone, onde foram gravadas algumas cenas de A HARD DAY'S NIGHT... Subindo ou descendo? Não me lembro!!!!

Brincando um pouco na faixa falsa, a que todo mundo atravessa, pensando ser a verdadeira...

é NÓIS no tube...




É impossível contextualizar e falar de Peppers sem esse ambiente. Vamos falar um pouco dele, e de minha segunda banda, o Pink Floyd, na próxima blogagem... Até lá!!!