50 ANOS DE
SGT. PEPPER’S: A TRILHA SONORA UNIVERSAL DOS HIPPIES!
Boa noite!
Estou virando um notívago, deste jeito, igual
aos Beatles com Pepper!!!!
Hoje vamos falar, finalmente, das letras de Sgt.
Peppers. Às vésperas de completar 50 anos de seu lançamento, o disco, que foi
um dos protagonistas das revoluções que aconteceram nos anos 1960 – artísticas,
políticas, filosóficas, comportamentais, etc., tem de ser entendido através de
seu contexto – que já colocamos nas outras conversas – e de sua mensagem, isto
é, “do que se quer dizer”... Ou, o que os Beatles – e particularmente John,
nesta música, em específico – querem ou quis dizer como “I’d love to turn you
on”...
As razões pelas quais o mundo estava mudando
naquela época perpassam pela audição de Sgt. Peppers. Não somente dele, em
verdade. Mas dele também. É impossível compreender o mundo dos anos 1960 –
principalmente de sua segunda metade para frente – sem ter a experiência nos
ouvidos e na alma de ouvir Sgt. Peppers.
Em 1966, por exemplo, os Beatles já haviam
mudado o modo de compor as canções, deixando a Beatlemania no passado e bebendo
de influências diversas para a composição das músicas e, claro, para condução
de suas próprias vidas. É com Pepper que cada um toma o seu próprio rumo. É com
Pepper que cada um solidifica esse processo de transformação íntima que se
inicia com Rubber Soul (1965), confirma-se com Revolver (1966) e tem seu ápice
em Pepper, no ano de 1967.
As declarações de John sobre o Cristianismo
haviam gerado muito desconforto e incertezas. Basta assistir aos depoimentos
dos outros três, em Anthology, sobre o assunto. Até a Ku Klux Klan organizou
protestos – aproveitando se tratar de uma banda britânica e não
norte-americana, o que corroborou com o clima hostil de grande parte da
imprensa dos EUA, já que tais declarações não tiveram o mesmo impacto no Reino
Unido. Longe disso. Em 1966, os Beatles ainda gozavam de grande prestígio por
lá.
A banda também havia decidido acabar com as
turnês – enfadonhas e, muitas vezes, bisonhas: falta de segurança, recursos
técnicos (som mais potente e melhor, iluminação, etc.) para apresentações ao
vivo, dentro de um contexto de histeria coletiva, o que redundou numa
permanência maior dentro do estúdio e dentro de si mesmos. Sem contar a questão
das Filipinas, ocasião em que quase foram linchados, por declinar de um convite
das autoridades para aqueles eventos que eles detestavam, e já não mais estavam
a fim de aturar, nem por boa educação.
Acabar com as turnês gerou dúvidas e
expectativas entre a opinião pública – que, à época, era formada de
jornalistas, que não estavam acostumados a escrever sobre música e bandas de
rock, na era pré- Rolling Stone e outras – e os fãs, que não estavam
acostumados a ficar mais de 6 meses sem um novo disco dos Beatles rodando em
suas vitrolas. Os boatos de que a banda havia acabado começavam a surgir com
muita força.
Como já dissemos, o fim das turnês representou
uma maior liberdade para todos.
O contato com outras culturas – indiana, no caso
de George - , com outras bandas e músicos levou, principalmente Paul a
encaminhar os Beatles para outra dimensão. Literalmente.
A evolução, musical e contextual, foi evidente.
O uso de drogas como maconha, a partir de 1964 e LSD, a partir de 1965, mudou o
tema das composições e aquela imagem de quatro rapazes ingênuos e bonzinhos não
interessava mais a eles. Buscavam, sobretudo, a partir de então, falar sobre
suas experiências, com drogas e na vida. Com isso, com a nova música, novos
recursos técnicos foram exigidos para ilustrá-la, dando melhor contorno à
criatividade, palavra que estava na ordem do dia para Paul e John, os dois
principais compositores e condutores da banda.
Como já dissemos, em 6 de dezembro de 1966 a
banda entra em estúdio novamente, sob a influência de discos como Pet
Souds (Beach Boys) e Freak
Out! (Frank Zappa) e
com todo o conhecimento que Paul adquiriu no contexto psicodélico londrino,
para gravar mais um disco. O projeto mais audacioso da banda, até então. Além
de ambicioso, extremamente diferente: Gravações eram comprimidas, condensadas,
distorcidas ou excessivamente equalizadas para atender às exigências dos
Beatles. Sons carregados de eco, fitas de gravações rodadas ao contrário e
vozes e instrumentos com velocidades alteradas mostravam que algo muito
revolucionário estava sendo criado.
Após 129 dias e aproximadamente 700 horas de
gravação, 5 meses para lançar o disco, mais 105 horas de gravação de “Penny
Lane/Strawberry Fields Forever”, as 13 canções do novo álbum estavam concluídas
(12, já que a primeira e a reprise são as mesmas); agregando música indiana,
jazz, sons invertidos, grandes orquestras, baladas e barulhos de animais à
música pop. Com Sgt. Peppers, o rock e o pop deixaram de ser apenas estilos,
para alçar ao patamar de arte. É evidente que isso tem seus prós e contras, já
que o disco sugere ser analisado – e criticado – como se arte fosse, deslocado
de seu contexto temporal, como deve ser analisado: é talvez, também, o único
disco dos Beatles datado, não atemporal, musicalmente falando: é impossível
olhar Pepper sem olhar o “verão do amor” (verão de 1967, no hemisfério norte),
a contracultura e todo o seu contexto; e é quase impossível tirar Pepper dali.
Isto posto, agora vamos colocar as músicas na
ordem em que elas aparecem no disco, para muitos que ainda não o conhece (será
que ainda existe alguém, neste mundo, que gosta de rock e nunca ouviu Sgt. Pepper na íntegra?):
Lado “A”
SGT. PEPPER’S LONELY HEARTS CLUB BAND
Gravação: dias 1 e 2 de fevereiro; finalizada em
3 e 6 de março de 1967.
Composta por Paul, a canção dá a ideia de uma
apresentação ao vivo, onde a banda é apresentada.
Como já disse, Paul teve a ideia do disco num voo
de Nairóbi a Londres, no dia 19 de novembro de 1966, matutando nos dias em que
tinha que sair disfarçado para fazer compras ou passear, sem ser incomodado
pelos fãs. A máscara foi transporta para a banda, que, mascarada pelo sargento
pimenta, teria mais liberdade.
A origem do nome – Sgt. Pepper - ainda é motivo
de discussão, 50 anos depois. Há quem diga que foi Mal Evans, antigo empresário
das turnês dos Beatles, quem criou o nome, como um substituto engraçado para
“salt’n’pepper”; outros, porém, sugerem que o nome vem de um refrigerante
americano popular chamado Dr. Pepper.
WITH A LITTLE HELP FROM MY FRIENDS
Gravação: dias 29 e 30 de março de 1967.
Hunter Davies, biógrafo autorizado dos Beatles,
esteve na casa de Paul, na Cavendish Avenue, na tarde de 29 de março de 1967, onde
também estava John e Cynthia, e acompanhou o processo de composição desta
música. Segundo ele, no seu livro (que ganhei de minha esposa, uma edição de
época, de 1968), “Eles queriam fazer uma música ao estilo de Ringo. Sabiam que
teria de ser para as crianças, uma música para cantar junto. Eu gravei os dois
tentando fazer todas as rimas funcionarem e, em algum lugar, tenho a lista de
todas que não foram usadas”.
John sugeriu a Paul para que começassem os
refrões com uma pergunta. A frase “do you believe n love at first sight?” não
tinha o número certo de sílabas, então se tornou “a love at first sight”. A resposta de John foi “yes, I’m certain that it happens all the time”,
que foi seguida de “Are you afraid when you turno n the light?”, mas
reformulada com “what do you see when…”, descreve Davies.
Então Cynthia Lennon sugeriu “I’m just fine”,
como resposta, mas John não gostou. Em vez disso ele tentou "I know it’s
mine” e acabou criando o verso “I can’t tell you, but I know it’s mine”, que é
mais substancial.
Uma gravação estava marcada para as sete da
noite (sim, deem uma lida nas minhas publicações anteriores: os Beatles, à esse
tempo, gravavam em Abbey Road à noite e viravam a madrugada) e eles telefonaram
para Ringo, para dizer que a música dele estava pronta, ainda que a letra não
estivesse no ponto. Finalizaram-na no estúdio, onde 10 takes foram gravados
naquela mesma noite. Como John estava com um dedo machucado, ela ficou
conhecida inicialmente como “Bad
Finger Boogie”, mas
acabou com o título que já conhecemos. Ringo canta, representando “Billy
Shears”, que é apresentado no final da faixa anterior.
LUCY IN
THE SKY WITH DIAMONDS
Gravação: dias 1 e 2 de março
de 1967.
Apesar de tantas controvérsias, a ideia da
composição foi tirada do desenho de Julian, filho de John e as iniciais
formando LSD é pura coincidência. Detalhe: Julian, o garoto prodígio, feito o
pai, já dava nomes aos seus desenhos, já que, à época, tinha apenas 4 anos de
idade (Julian nasceu no mesmo dia em que eu nasci, 8 de abril, em 1963). Que
garoto!!!! É claro que se trata de uma alusão direta ao LSD!!!!
Julian conta: “Não sei porque eu dei aquele nome
[ao desenho] nem por que se destacou entre todos os meu outros desenhos, mas eu
obviamente gostava muito de Lucy. Eu mostrava tudo o que fazia ou pintava na
escola ao meu pai, e esse desenho levou à ideia de uma música sobre Lucy no céu
com diamantes.”.
Lucy O’Domnell (foi professora de crianças com
necessidades especiais) vivia perto da família de Lennon, em Weybridge, e ela e
Julian eram alunos da Health House, um jardim de infância administrado por duas
senhoras em uma construção eduardiana. “Eu me lembro de Julian na escola”,
conta Lucy, que só soube ao 13 anos que havia sido imortalizada por uma canção
dos Beatles. “Eu me lembro bem dele. Posso ver seu rosto claramente... nós
costumávamos sentar lado a lado naquelas carteiras bem antigas. A casa era
enorme, e havia cortinas pesadas para dividir as salas. Pelo que me disseram,
Julian e eu éramos duas pestes.”.
As imagens psicodélicas que a canção descreve
vem das leituras de John de “Alice no País das Maravilhas”, quando criança. Ele
somente transportou certas passagens da história para a era psicodélica (claro,
com uso de LSD, para saber que tipo de analogia criar). Foi graças a estas
leituras de infância que John resolveu que suas ideias não se tratavam de
alucinações, mas sim, que eram coisas normais na mente dele: “Surrealismo para
mim é realidade (...) A visão psicodélica é realidade para mim e sempre foi.”.
Outra inspiração de John era um seriado muito
famoso da rádio BBC, chamado “The Goon Show”, que satirizava figuras famosas,
políticos, etc., do “estabilshent”, atacavam o conservadorismo inglês do pós-
guerra, popularizando um humor bem “nonsense”. Dá pra perceber de onde veio o
costumeiro sarcasmo de John em suas composições.
O produtor do “The Goon”, Spike Milligam disse
que a frase “plasticine porters with looking glass ties”, veio de uma
brincadeira que faziam no seriado, com “plasticine ties”.
Quando Paul chegou à casa de John para trabalhar
na música, John só tinha o primeiro verso e o refrão. De resto, só algumas
frases, versos, imagens trocadas. Paul inventou “newspaper taxis” e “celofane
flowers” e John “kaleidoscope eyes”.
GETTING
BETTER
Gravação: dias 9 e 10 e dias 21 e 23 de março de
1967.
Naquela época, John e Paul inspiravam-se em tudo
o que estavam à sua volta. A ideia desta música começou num passeio de Paul,
Martha (sua cachorra) e Hunter Davies, numa tarde de primavera ensolarada.
Quando se referiu ao tempo que fazia naquele dia, disse a Davies que “estava
melhorando”, e que a “primavera estava chegando”, o que o levou imediatamente a
lembrar de Jimmy Nicol, o baterista que substituiu Ringo em cinco shows da
turnê de 1964, pela Oceania.
Jimmy, ao término dos shows, sempre era
perguntado pelos outros três Beatles se estava tudo bem, como ele estava se
sentindo e ele respondia sempre com a mesma frase: “está melhorando”.
Depois da caminhada na Primrose Hill, Paul
voltou para sua casa em St. John’s Wood e cantou a frase repetidas vezes, enquanto
fazia a melodia no violão e depois no piano. À noite, John apareceu e eles
terminaram juntos a música. George toca tamboura e Ringo, bongôs.
FIXING A
HOLE
Gravação: dias 9 e 21 de fevereiro de 1967.
Paul compôs e também tocou cravo. A canção começou
a ser gravada nos “Regent Sound Studios,” já que o Abbey Road estava ocupado no dia
(provavelmente pelo Pink Floyd). Sugeriram, à época, que a música fazia alusão
aos “buracos” de picada de agulha, para uso de heroína, mas nem Paul e nem
George e Ringo nunca chegaram a usar a droga. Apenas John viciou-se nela, por
volta de 1968, outro “presente” de sua companheira, à época, cujo nome evito
dizer aqui. Ela o introduziu neste vício.
A canção fala da liberdade de se fechar os
buracos e as fendas que permitem aos inimigos da imaginação por ali penetrarem.
“É o buraco em você que permite que a chuva entre e impeça sua mente de ir
aonde quer ir”, explica Paul.
Com certeza, parte da música também se refere à
propriedade que Paul adquiriu em 1966, um refúgio escocês, em High Park, que
estava em péssimas condições, ao abandono, quando ele a adquiriu.
Paul decorou-a “de um jeito colorido”, conta
Alistair Taylor, assistente de Epstein, que acompanhou Paul e Jane Asher em sua
primeira visita na casa. Paul comprou um monte de canetas coloridas e os três
passaram horas a rabiscar a casa inteira.
Em 1967, em uma entrevista com o artista Alan
Adrigdge, Paul foi sondado sobre as associações com drogas: “Se você é um
viciado sentado em uma sala preparando uma dose, então é isso que ela significa
pra você, mas quando a escrevi o que quis dizer é que se há uma rachadura, ou
se a sala não tem cores, eu vou pintá-la”, disse.
SHE’S LEAVING HOME
Gravação: dias 17 e 20 de março de 1967.
Entre 1966 e 1967 eram muito comum na Inglaterra
e nos EUA as notícias sobre adolescentes fugindo de casa, para viver novas
experiências, por conta dos hippies e da contracultura, que tinham o abandono
dos costumes postos como um de seus modos de vida e de comportamento: largar a
família, os costumes, o consumismo em prol de uma vida livre, igual, sem as
pressões da vida moderna, da família, dos pais, estava na ordem do dia para
muitos jovens da época.
Timothy Leary, o guru do LSD e da contracultura
incitou seus seguidores a “desertarem”, cujo lema era “sintonize-se, ligue-se,
caia fora”. Os jovens abandonavam o emprego formal e a escola. Só o FBI, na
época, anunciou 90 mil fugitivos naquele ano, em sua grande maioria para São
Francisco, meca da contracultura norte-americana.
Paul viu uma dessas notícias num jornal
londrino, em fevereiro de 1967, de uma garota de 17 anos que tinha sumido de
casa fazia mais de uma semana. O pai, aflito, foi citado, ao afirmar: “Não
consigo imaginar por que ela fugiria. Ela tem tudo aqui.”.
A fugitiva era Melanie Coe, que vivia com os
pais em Stamford Hill, no norte de Londres. As únicas diferenças entre a
história dela e a cantada na música são que ela conheceu um homem em um
cassino, em vez de “na loja de carros”, e que ela saiu de casa à tarde,
enquanto os pais estavam no trabalho, em vez de pela manhã enquanto dormiam. “O
impressionante sobre a música era o quanto ele acertou sobre a minha vida”, diz
Melanie. “Falava dos pais dizendo ‘we gave her everything Money could buy’, o
que era verdade no meu caso. Eu tinha dois anéis de diamante, um casaco de
pele, roupas de seda e ‘cashmere’ feitas à mão e até um carro.”.
Melanie
continua: “Depois, havia um verso que falava ‘after living alone for so many
years’, o que realmente me tocou porque eu era filha única e sempre me senti
sozinha. Nunca tive diálogo com nenhum dos meus pais. Era uma batalha
constante. Eu sai porque não conseguia mais encará-los. Ouvi a música quando
foi lançada e pensei que era sobre alguém como eu, mas nunca sonhei que na que
na verdade fosse sobre mim. Eu me lembro de pensar que não tinha fugido com um
homem do mercado de automóveis, então não podia ser eu! Eu devia estar na casa
dos vinte quando minha mãe disse ter visto Paul na televisão, e ele tinha dito
que a música era sobre uma matéria de jornal. Foi quando comecei a dizer aos
meus amigos que era sobre mim.”.
“Minha mãe não gostava de nenhum dos meus
amigos. Eu não podia levar ninguém para minha casa. Ela não gostava que eu
saísse. Eu queria atuar, mas ela não me deixou ir para a escola de teatro. Ela
queria que eu fosse dentista. Ela não gostava de como eu me vestia. Ela não
queria que eu fosse nada que eu queria. Meu pai era fraco. Ele acatava qualquer
cosa que minha mãe dissesse, mesmo que discordasse.
FELIZ COINCIDÊNCIA!
Foi através da música que Melanie encontrou
consolo. Aos 13 anos ela começou a frequentar os clubes do West End de Londres
e, quando o lendário programa de televisão ao vivo “Ready Steady Go!” começou,
no final de 1963, ela se tornou uma dançarina regular nele. Os pais dela muitas
vezes vasculhavam os clubes e a arrastavam de volta para casa. Se chegasse
tarde, apanhava. “Quando saía, podia ser eu mesma. Aliás, nos clubes eu era
encorajada a ser eu mesma e a me divertir. (...) Quando a música diz ‘something
was denied’, esse algo sou eu. Eu não podia ser eu. Eu estava procurando
diversão e carinho. Minha mãe não era nada carinhosa. Ela nunca me beijou”,
disse.
Em 4 de outubro de 1963, Melanie ganhou um
concurso de mímica no “Ready”. Por coincidência, era a primeira vez que os
Beatles estavam no programa, e ela recebeu o prêmio das mãos de Paul McCartney.
Cada um dos Beatles deu a ela uma mensagem autografada. “Passei o dia nos
estúdios ensaiando, então estive perto dos Beatles a maior parte do tempo. Paul
não estava a fim de muito papo, e John parecia distante, mas passei um tempo
conversando com George e Ringo”, ela conta.
Enquanto dava um passeio perto da Paddington
Station ela viu seu rosto estampado na primeira página de um jornal vespertino.
“Voltei imediatamente para o apartamento e coloquei óculos escuros e um chapéu.
A partir daquele momento, vivi com pavor de ser encontrada. Eles conseguiram me
achar depois de uns dez dias, porque acho que deixei escapar onde meu namorado
trabalhava. Falaram com o chefe dele, que me persuadiu a ligar para eles.
Quando eles ligram para ir me ver, me enfiaram na parte de trás do carro e me
levaram para casa. (...) Se eu fosse escolher minha vida de novo, não
escolheria fazer tudo igual. O que eu fiz foi muito perigoso, mas tive sorte.
Acho que é bom ser imortalizada em uma música, mas teria sido ainda melhor se
tivesse sido por ter feito alguma coisa, em vez de por ter fugido de casa”, ela
comenta.
O disco, com esta música ficou ainda mais
contextualizado!
Paul a compôs quase que totalmente; John ajudou-o
em algumas coisas. Nos vocais, somente os dois, também, e com Mike Leander na
produção: George Martin não pode produzi-la no dia em que Paul queria e, pra
variar, estava com pressa, escalando Leander, o que deixou Martin muito
magoado, durante anos.
BEING FOR THE BENEFIT OF MR. KITE!
Gravação: dias 17 e 20 de fevereiro; finalizada
do dia 28 a 31 de março de 1967.
Em janeiro de 1967, os Beatles foram ao Knole
Park, perto de Sevenoaks, em Kent, fazer um filme promocional de “Strawberry
Fields”. “Havia um antiquário perto do hotel onde estávamos”, conta Tony
Bramwell, ex-funcionário da Apple. “John e eu fomos passear, ele viu um cartaz
de circo vitoriano emoldurado e o comprou.”.
John começou a escrever uma música usando as
palavras do cartaz, que estava em sua sala de música, e Pete Shotton o viu
apertando os olhos na direção do texto enquanto fazia a melodia ao piano. John
mudou alguns fatos para encaixar na música. No cartaz, o Sr. Henderson se oferecia para desafiar o mundo, não o Sr.
Kite: os Henderson não tinham saído da Pablo Fanque’s Fair, Kite é que tinha
saído do Well’s Circus. Para rimar com “don’t be late”, John mudou eventos de
Rochdale para Bishopsgate e para rimar com “will all be there”, ele transformou
o circo em feira (fair). O cavalo original se chamava Zanthus, em vez de Henry.
Para John, Pablo Fanque, o sr. Kite e os
Henderson não eram nada além de nomes coloridos em um cartaz, mas os registros
revelam que, 150 anos antes, eram grandes astros no mundo do circo. O sr. Kite
era William Kite, filho de um dono de circo, James Kite, e um artista completo.
Em 1810 ele formou o Kite’s Pavillon Circus e trinta anos depois estava com
Well’s Circus. Acredita-se que tenha trabalhado no circo de Pablo Fanque de
1843 a 1845.
Pablo Fanque era um artista de muitos talentos
que se tornou o primeiro negro dono de circo na Inglaterra. Seu verdadeiro nome
era William Darby e ele nasceu em Norwich, em 1796. Passou a se chamar Pablo
Fanque na década de 1830.
Os Henderson eram John (equilibrista,
adestrador, artista do trampolin e palhacço) e sua esposa Agnes, filha do dono
de circo Henry Hengler. Eles viajaram por toda a Europa durante os anos 1840 e
1850. As cabriolas que o sr. Henderson realizava no chão duro eram cambalhotas.
“Jarreteiras” eram faixas seguradas por duas pessoas, e “trampolim” era,
naqueles tempos, um trampolim de madeira, não uma cama elástica.
Na época, John considerou “Being” uma música
descartável, e disse a Hunter Davies: “Eu estava só seguindo meus impulsos
porque precisávamos de uma música nova para Sgt. Pepper naquele momento”. Em
1980, ele reviu radicalmente sua opinião e disse a David Sheff, que o
entrevistou para a “Playboy”: “É tão cosmicamente bonito... A canção é pura,
como uma pintura, uma aquarela pura”.
Lado “B”
WITHIN YOU WITHOUT YOU
Gravação: dias 15 e22 de março; finalizada nos
dias 3 e 4 de abril de 1967.
Única música de George que entrou no disco, já
que ele havia composto “Only a Nothern Song” para Pepper, dentro da ideia
inicial das músicas do norte da Inglaterra, mas John e Paul vetaram. Só ele
participa da gravação, cantando e tocando cítara, com outros músicos indianos tocando
os demais instrumentos daquele país.
É o resultado de uma conversa, numa noite típica
dos anos 1960: muita maconha rolando em meio a incenso queimando. Depois do
jantar, na casa de Klaus Woormann, que estava morando em Londres com Christine
Hargreaves, atriz de “Coronation Street”. Tony King e Pattie Harrison também
estavam presentes. King, que depois trabalharia na Apple, conhecia os Beatles
desde sua chegada a Londres, em 1963. Ele recorda: “Klaus tinha um harmônio de
pedal, e George entrou na sala ao lado e começou a mexer nele. Saíram uns
grunhidos horríveis, e, até o fim da noite, ele estava começando a cantar
fragmentos para nós. É interessante que a gravação final de “Within” tenha tido
o mesmo grunhido que eu ouvi no harmônio, porque John uma vez me disse que o
instrumento em que você compõe uma música determina o som da música. Uma
composição ao piano soa totalmente diferente de uma feita ao violão”.
“Quando conheci George, em 1963, ele era o
senhor Diversão, passava as noites todas na rua. Então, de repente, ele
descobriu o LSD e a religião indiana e ficou muito sério. Os fins de semana
divertidos, em que comíamos carne e torta de fígado e ficávamos sentados rindo,
transformaram-se em fins de semana bem sérios, com todo mundo eufórico falando
sobre o significado do universo”.
Isso nos dá a ideia de como a música diz: o
perceber que somos essencialmente um só,
abrindo mão, cada qual, do seu ego, e diminuindo distância que temos, uns dos
outros.
Nenhum dos Beatles estavam presentes quando
“Within” foi gravada. George e Neil Aspinall tocavam tamburas enquanto músicos
de estúdio tocavam diversos instrumentos, incluindo dilruba, tabla, violino e
violoncelo. “Não foi difícil organizar os músicos indianos para a gravação”, lembra
George Martin. “Difícil foi escrever uma partitura para violoncelos e violinos,
de modo que os músicos ingleses conseguissem tocar com os indianos. O tocador
de dilruba, por exemplo, estava fazendo todo tipo de movimento, então tive de
orquestrar isso para as cordas e instruir os músicos a seguirem-no”.
WHEN I’M
SIXTY FOUR
Gravação: dias 6 e 8; finalizada nos dias 20 e
21 de dezembro de 1966.
Paul compôs esta canção em Forthlin Road, em
Liverpool, aos 15 anos (foi pouco depois de conhecer John, pela época). Ele
estava tocando uma versão dela em shows, quando o amplificador quebrou.
Trata-se de um pastiche dos anos 1920/30, que
Paul desempoeirou para, novamente, trazê-la para a era psicodélica, o que muito
tinha a ver. Apesar de ter seu pai em mente, quando a compôs, foi pura
coincidência que ele tivesse 64 anos, no ano em que saiu no disco.
Nesta, os clarinetes foram gravados por músicos
contratados.
George Martin colocou as duas, em sequência, no
Lado B, porque sempre achou que ambas eram as músicas “deslocadas”, isto é,
estavam fora do contexto do disco. Muitos críticos também defendem que a ideia
de um disco conceitual foi embora, na medida em que ambas foram incluídas nele,
levando por terra, tanto a ideia das “músicas do norte”, quanto a ideia da
“banda do clube dos corações solitários do sargento Pimenta”.
Eu considero ambas contextualizadas, com o
momento e com o disco. Talvez, se fosse possível, incluir “Only a Nothern
Song”, também, e tirar a “reprise”... mas... o disco é perfeito, do jeito que
foi feito.
LOVELY
RITA!
Gravação: dias 23 e 24 de fevereiro; e nos dias 7
e 21 de março de 1967.
Outra composição de Paul, homenageando as
controladoras de parquímetros.
Um amigo estava visitando Paul e, ao ver uma
guarda de trânsito, uma inovação inglesa na época, comentou: “Estou vendo que
vocês tem policiais femininas no trânsito aqui hoje em dia”. Paul ficou
intrigado com a aliteração da expressão “meter maid” e começou a fazer
experiências ao piano na casa de seu pai. “Achei ótimo. Tem de ser ‘Rita meter
maid’ e depois ‘lovely Rita meter maid’. Eu estava pensando que devia ser uma
canção de ódio... mas depois pensei que seria melhor amá-la”. Daí veio a ideia
para uma música sobre um trabalhador tímido que, ao receber uma multa por estacionamento
irregular, seduz a policial de trânsito em uma tentativa de se livrar da multa.
“Fiquei imaginando que tipo de pessoa eu seria para me apaixonar pela policial
de trânsito”, Paul comentou.
Alguns anos depois, uma policial de trânsito
chamada Meta Davies, em Londres, declarou ter inspirado a música. Não que ela
tivesse sido seduzida por um Bealte, mas, em 1967, ela autuou um certo Paul
McCartney que teria perguntado sobre o seu nome incomum: “O carro dele estava
estacionado em um parquímetro com o tempo expirado. Tive de emitir uma multa de
dez xelins na época. Eu tinha acabado de coloca-la no para brisa quando Paul
apareceu. Ele olhou para a multa e leu minha assinatura, que era por extenso
porque havia outra M. Davies na mesma unidade. Quando eu estava indo embora,
ele virou para mim e perguntou ‘seu nome é Meta mesmo?’. Eu disse que sim. Ele
disse ‘seria um bom nome de música. Você se importa se eu usá-lo?’. Foi isso.
Ele foi embora”, diz Meta.
Pode ser que Paul já tivesse escrito “Lovely
Rita” e estivesse galanteando Meta, mesmo que ela fosse 22 anos mais velha que
ele e mãe de uma adolescente. “Nunca fui fã dos Beatles”, ela admite. “Mas era
impossível não ouvir a música deles. A minha família costumava esperar fora do
Abbey Road Studios para vê-los”.
George Martin toca o piano Honky Tonk, para “dar
uma força na harmonia.
GOOD MORNING GOOD MORNING
Gravação: dias 8 e 16 de fevereiro; e dias 13,
28 e 29 de março de 1967.
John a compôs sob inspiração do comercial de
sucrilhos Kellog’s.
É que John ficava muito em casa, nesta época,
lendo jornais e assistindo TV. A vida suburbana e doméstica estava na ordem do
dia, para ele. Por isso Paul “dominou” o disco, como eu já disse nas outras
publicações.
Era um resumo de sua situação, isto é, a admissão
de que também ele não tinha mais o que dizer. O resultado de uma vida
indolente, com muitas drogas (principalmente LSD), um casamento frio (já estava
com a cuca na outra) e dias medidos por refeições, pelas horas de sono (já
tinha virado notívago, como os outros três) e por programas de televisão como
“Meet the Wife”. “Quando ele estava em casa, passava muito tempo deitado na
cama com um bloco de anotações”, lembra Cynthia. “Quando se levantava, sentava
ao piano ou ia de um cômodo ao outro ouvindo música, abobalhado com a televisão
e lendo jornais. Ele basicamente estava se desligando de tudo o que estava
acontecendo. Estava pensando sobre as coisas. As coisas com que ele estava
envolvido fora de casa eram bastante
dinâmicas”.
“Walk by the old school”, por exemplo, era uma
referência ao ato de levar Julian para heath House e é provável que a pessoa
que ele esperava que “turn upa t a show” fosse Yoko Ono, que ele tinha
conhecido em novembro de 1966. O “show” seria, então, uma exposição de arte,
não uma apresentação.
Paul faz os solos de guitarra. A banda “Sound
Incorporated” gravou os saxofones e trombones e os sons de animais foram
tirados de fitas da EMI.
SGT. PEPPER’S LONELY HEARTS CLUB BAND (Reprise)
Gravação: dia 1 de abril de 1967.
Como a primeira música, que introduz o ouvinte
ao disco, esta estabelece o anúncio do final do show, isto é, espécie de
encerramento do concerto da “Banda do Clube de Corações Solitários do
Sargento Pimenta”.
A DAY IN THE LIFE
Gravação: dia 21 de abril de 1967.
John a compôs sob inspiração dos buracos de
Lancashire. Seu título provisório era “In The Life Of…”. Uma orquestra com 40 músicos de
estúdio surge, dando um clima de aflição que toma conta da canção. Um
despertador acionado por Mal Evans interrompe a música e Paul surge com uma
nova música, no meio dela, até que John aparece novamente e a orquestra encerra
a canção. O último acorde, que dura quase um minuto, é tocado em um piano a 8
mãos. Em seguida, surge a famosa nota em alta frequência, que só cães conseguem
ouvir. Após o final da faixa, uma gravação ao contrário, contendo conversas e
risos, fica sendo repetida no último sulco do vinil, inspiração de Paul, como
uma alusão aos toca discos da época, sem mecanismo de retorno automático do
braço, proporcionando “tics tics” ininterruptos, barulhos da agulha ao chegar
no final do lado do disco e encostar no selo, até que alguém se levante e
retorne o braço para a posição de descanso.
Gerou controvérsias, para variar. Muitos na
época acreditavam que os Beatles gravavam coisas ocultas em seus discos, e que,
ao tocá-los de trás para frente, essas mensagens podiam ser ouvidas, o que
levou Lennon a dizer o seguinte, na época: “Estou cansado de ouvir esse blá,
blá, blá, sobre Sgt. Pepper, do tipo: ‘plante uma bananeira, ouça o disco de
trás para frente que você descobrirá seus significados mais profundos’...”.
A canção de John tinha surgido de sua
interminável leitura de jornais. O s “4 mil buracos em Blackburn Lancashire”
foram tirados da coluna “Far And Near” de 17 de janeiro de 1967 no “Daily
Mail”, que falava de uma pesquisa da Blackburn City Council sobre buracos na
rua que mostrava que havia 1/26 buraco para cada morador da cidade. Quando John
precisou de uma rima para “small” parar terminar a frase “now they know hw many
holes it takes to fill...”, seu antigo amigo de escola Terry Doran sugeriu “the
Albert Hall”.
O homem que “blew his mind out in a car” era
Tara Browne, um amigo irlandês dos Beatles e homem famoso da alta sociedade que
morreu em um acidente de carro em 18 de dezembro de 1966. “Eu não estava
copiando o acidente”, John disse a Hunter Davies. “Tara não arrebentou a
cabeça. Mas pensei nisso quando estava escrevendo o verso”. Os detalhes do
acidente na música – não ver o farol e uma multidão se formando no local –
foram inventados. Paul, que colaborou com versos nesta parte da música, na
época não sabia que John tinha Tara em mente. Ele achava que estava escrevendo
sobre um “político drogado”.
Paul estava com Browne quando tomou LSD pela
primeira vez, em 1966.
A canção inacabada de Paul, uma composição leve
e alegre sobre sair da cama e ir para a escola, foi encaixada entre a segunda e
a terceira estrofes da música de John. "Era uma canção apenas lembrando
como era correr pela rua para pegar o ônibus da escola, fumar um cigarro e ir
para a aula... era uma reflexão sobre os meus tempos de escola. Eu fumava um
Woodbine (cigarro inglês barato e sem filtro) a aí alguém falava, e eu começava
a sonhar”.
As referências a fumar um cigarro, sonhos e
“turn nos” significou que a música foi banida do rádio em muitos países,
inclusive na Inglaterra. Houve até quem estivesse convencido de que os buracos
em Blackburn, assim como os buracos que Paul estava ansioso por consertar, eram
os de seringas de um usurário de heroína.
Em 1968, Paul admitiu que “A Day in the Life”
era o que chamava de “canção para deixar ligado”. “Era a única no álbum escrita
como uma provocação deliberdada”, disse. “Mas o que nós queremos é deixar você
ligado na verdade, não na maconha.”. George Marin comenta: “Havia uma
referência à maconha ela, mas ‘Fixing a Hole’ não era sobre heroína e ‘Lucy in
the Sky’ não era sobre LSD. Na época, eu tinha uma forte suspeita de que ‘went
upstairs and had a smoke’ era uma referência às drogas. Eles costumavam desaparecer
e dar um trago, mas nunca fizeram na minha frente. Sempre iam ao bar, e Mal
Evans costumava ficar de guarda”.
Bem, para mim, é a melhor canção de todos os
tempos e fecha, à altura e com estilo, o melhor disco de todos tempos.
Lisérgica, etérea, com um vocal de arrepiar quantas e quantas vezes eu já a
ouvi, e quantas e quantas vezes irei ouvi-la, hei de arrepiar-me e, claro,
emocionar-me... Simplesmente perfeita.
Não importa como você irá ouvi-la; quando irá
ouvi-la; onde irá ouvi-la: ela sempre há de ser perfeita.
Sgt. Pepper’s é imprescindível em qualquer
prateleira onde se tenha discos de rock. É quase que obrigatório. Delimita,
traça as fronteiras de tudo o que veio depois dele, dentro do pop e do rock. É
impossível de ouvir uma ou outra música isoladamente. Nisso, o objetivo
inicial, de se criar um disco homônimo, ele se consagra: uma música está ligada
à outra, inexoravelmente. Não por ideia, conceito. Mas pela força que o disco
traz, já há 50 anos. Meio século. Esta força faz-nos relembrar do o quanto os
Beatles foram importantes, para o séc. XX e para as gerações futuras.
Um dos momentos mais criativos da História da
humanidade teve um de seus dignos representantes. Os anos 1960 jamais voltarão
(sua segunda metade, para ser mais exato e honesto). Andar o relógio para trás,
não dá. Ainda que dê para ouvir o disco de trás para
frente. Mas um de seus
representantes, um símbolo a mais daquela época ainda resiste. Um dia a mais na
eternidade em que o planeta pensou que ele poderia viver em paz e amor. Pelo
menos parte dele. Boa parte. “Beautiful people”, como eles diziam. E nós nos
convencemos.
Muitos já desencarnaram; outros, continuam por
aí; Alguns, nunca mais foram os mesmos; um ou outro, perdeu-se; poucos
sobreviveram.
Sgt.
Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Vida longa. Uma das bases do rock progressivo.
Vida longa...
Até 1 de junho, quinta-feira... “It’s fifty years ago today!!!...”
Gentilezas e pesquisas:
Steve Tuner, in "The Bealtes - A história por trás de todas as canções".
Hunter Davies, in "The Beatles - A vida dos Beatles" (a única biografia autorizada)
(ambos presentes de minha amada esposa!)
Cynthia Lennon, in "John".